A intervenção didática, desenvolvida em escolas da Ilha de Maré (Salvador, Bahia, Brasil), tendo como tema gerador o artesanato com cana-brava, objetivou promover relações não hierárquicas entre as variações linguísticas vernaculares e normativas, por meio do uso social da linguagem e extensão das produções dos alunos a um público ampliado. Assim, a leitura da palavra se alia à leitura do mundo, visando dar visibilidade ao modo de vida local e superar as relações contraditórias com os modos de vida hegemônicos que buscam se impor e que limitam as possibilidades dos moradores da ilha de serem mais (FREIRE, 1969).
Essa abordagem permitiu estabelecer uma relação respeitosa com a ancestralidade quilombola local, ao trazer, para os cenários de aprendizagem, epistemologias tradicionais que têm sido historicamente colonizadas, silenciadas, inferiorizadas e/ou vistas como obstáculos para a expansão dos princípios da modernidade e do modelo capitalista de desenvolvimento, bem como por questionar os padrões societários que estão na base da dominação (WALSH; OLIVEIRA; CANDAU, 2018).
A pedagogia decolonial alinha-se à práxis da libertação e à pedagogia da autonomia de Paulo Freire (FREIRE, 1983; 1996), pois se contrapõe à geopolítica do poder e ao currículo monocultural, que invisibilizam saberes e práticas dos povos subalternizados, por meio da luta contra a lógica epistemológica hegemônica, o capitalismo, o modelo civilizatório ocidental e os padrões de poder constitutivos da colonialidade (WALSH, 2013). Nesse contexto, a libertação não se dá apenas com o reconhecimento da condição de opressão, mas também pela busca de transformação social, tendo em vista que a condição ontológica do oprimido é a sua vocação de ser mais (FREIRE, 1969).
A educação cumpre o seu ideal emancipatório e decolonial quando se volta para a construção de aprendizagens possíveis a partir do que é próprio aos grupos culturais, em abordagens que extrapolem os limites das escolas e apostem em perspectivas mais comunitárias, compartilhadas e colaborativas (MIRANDA; RIASCOS, 2016).
Este trabalho se alinha a um movimento decolonial que, sem negar a possibilidade de diálogo com os saberes da ciência ocidental moderna, empreende um movimento político e epistemológico de resistência à hegemonia desses saberes, visando à valorização, nos processos educativos, de epistemologias de sujeitos e grupos sociais que têm sido subalternizadas pela lógica educacional dominante.
Referências
FREIRE, Paulo. O papel da educação na humanização. Paz e Terra, São Paulo, n. 9, p. 123-132, out. 1969.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.
MIRANDA, C.; RIASCOS, F. M. Q. Pedagogias decoloniais e interculturalidade: desafios para uma agenda educacional antirracista. Educação em Foco, v. 21, n. 3, p. 545-572, out./dez. 2016. Disponível em: <https://periodicos.ufjf.br/index.php/edufoco/article/view/19866>. Acesso em: 29 fev. 2019.
WALSH, C.; OLIVEIRA, L. F.; CANDAU, V. M. Colonialidade e pedagogia decolonial: Para pensar uma educação outra. Arquivos Analíticos de Políticas educativas, v. 26, n. 83, p. 1-16, jul. 2018. Disponível em: <https://epaa.asu.edu/ojs/article/view/3874/2102>. Acesso em: 29 fev. 2019.
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