Periferia empoderada: uma experiência com Paulo Freire e Augusto Boal numa escola pública do Rio de Janeiro
Gauthier Gauthier Figueiredo Netto  1@  
1 : Universidade de Tübingen

1 - Delimitação do tema 

 

“Vários outros mundos são possíveis”. 

Augusto Boal

 

A onda conservadora tomou conta da América Latina. Os antigos interesses neoliberais por matéria-prima, a manutenção de privilégios de uma pequena parcela da sociedade, os golpes de Estado, as repressões nas manifestações, a censura e os retrocessos de direitos conquistados têm posto a democracia em xeque. 

No Brasil, o senso comum, o ódio ao conhecimento e o descaso com as minorias provocaram uma erupção no país. A erupção fascista. O racismo, a homofobia, o feminicídio, o extermínio das lideranças indígenas e ambientais, o avanço das queimadas e a censura aos professores são alguns exemplos do estado de sítio que se encontra o país. 

Há tempos a atual oitava economia do planeta e a segunda em desigualdade social tem sofrido com essas questões. Os governos de esquerda deixaram brechas em diversos pontos, enriquecendo ainda mais os bancos e as grandes corporações, não realizando as reformas necessárias e contribuindo de forma direta e indireta pelo o que o Brasil se transformou hoje. Nas unidades de educação básica , movimentos como “Escolas sem partido” e ataques aos temas de estudos de gênero e culturas de matrizes africanas têm amordaçado e intimidado os professores.

Dentro da formação histórica e social brasileira temos ainda o holocausto indígena com o extermínio e a imposição da fé pelos colonizadores portugueses, além do período da escravidão, que até hoje perdura através do genocídio da população preta deixada às margens. Isso sem falar dos anos de chumbo. A ditadura militar, mais um momento de censura, tortura e morte, desta vez financiada pelos Estados Unidos, assassinou opositores e aniquilou a cultura, fechando teatros e perseguindo artistas e escritores. Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Caio Fernando Abreu, Paulo Freire e Augusto Boal precisaram se exilar nesse período.

Foram em épocas turbulentas como esta, de assassinatos e arbitrariedades no Brasil, que Paulo Freire desenvolveu a Pedagogia do Oprimido (PO) e Augusto Boal o Teatro do Oprimido (TO). A reflexão que este pré-projeto propõe se situa no debate sobre empoderamento e descolonização, na história das periferias cariocas, na estética da pedagogia e do teatro político através de um estudo das principais obras dos dois teóricos e a aplicação do Teatro do Oprimido, por meio de jogos teatrais e o teatro fórum numa escola pública da periferia do Rio de Janeiro.

No primeiro capítulo da dissertação discutiremos os conceitos de empoderamento e descolonização a partir dos teóricos e pesquisadores como Magdalena de Leon, Srilatha Batiwala, Nelly Stronquist, Naila Kabeer, Carmen Diana Deere, Thomas Wartenberg e Achille Mbembe.

No capítulo seguinte abordaremos a formação social e cultural do Rio de Janeiro, sua relação com a escravidão e o nascimento das periferias cariocas. 

No terceiro capítulo nos ocuparemos das bibliografias de Paulo Freire e Augusto Boal buscando traçar um diálogo entre os seguintes temas: educação libertadora, relação oprimido e opressor, empoderamento e descolonização. Abordaremos ainda o contexto em que suas obras foram inscritas, citando principalmente a ditadura militar brasileira e a vivência dos teóricos no exílio. Algumas questões levantadas:

  • Como a vivência de Freire e Boal com a ditadura e o exílio influenciaram suas obras?
  • Relações Freire e Boal.

No quarto e último capítulo trabalharemos com os relatos de experiências com o TO numa escola pública da periferia do Rio de Janeiro. Algumas atividades que serão realizadas:

  • Situação das escolas públicas do Rio de Janeiro;
  • Levantamento sobre a história da escola, ex-diretores, quantidade de alunos e professores, principais desafios e etc;
  • Pesquisa de opinião sobre a escola com diretores, professores, alunos, merendeiras, inspetores, auxiliares de serviços gerais e toda comunidade escolar;
  • Caderno distribuído a todos os alunos participantes das oficinas para escrita, desenho e outras expressões sobre os dias de atividade com o teatro do oprimido;
  • Apresentação de uma peça produzida por eles;
  • Desenvolver uma oficina com os professores para que eles sejam multiplicadores do Teatro Oprimido;
  • Mensuração de resultados;

2- Objetivos

  • Discutir o tema empoderamento e estratégias de descolonização;
  • Promover o intercâmbio entre universidade e escola;
  • Traçar um diálogo entre a Pedagogia do Oprimido (PO) e o Teatro do Oprimido (TO);
  • Aplicar a metodologia do Teatro do Oprimido (TO) numa escola pública na periferia do Rio de Janeiro;
  • Despertar o interesse dos alunos pela cultura teatral e por política;
  • Dar continuidade ao projeto através de oficinas de capacitação aos professores e comunidade escolar interessada.

 

3 - Embasamento teórico e metodologia

‘Assim, juntos, recriam criticamente o seu mundo: o que antes os absorvia, agora podem ver ao revés”.

Paulo Freire

 

Com uma população de um pouco mais de 200 milhões de habitantes de acordo com os dados do último censo do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2018) e uma das maiores economias do planeta, o Brasil amarga a desigualdade, a violência, a fome e o descaso dos governantes. Para a população preta e periférica o abismo social é ainda maior. De acordo com Mbembe, “em termos foucaultianos, racismo é acima de tudo uma tecnologia destinada a permitir o exercício do biopoder, esse velho direito de matar. Na economia do biopoder, a função do racismo é regular a distribuição da morte e tornar possíveis as funções assassinas do Estado.” (MBEMBE,2018) E é o racismo um dos ingredientes, que contribuem para a ideia da higienização social. Segundo o IBGE, a população negra tem 2,7 mais chances de ser vítima de assassinato do que os brancos. 

Há mais de 500 anos a história se repete e a opressão de uma minoria muda de nome, de regime e de pseudos-heróis , mas continua nefasta, mesmo após progressos de justiça social. E a população negra, oriunda da maior e uma das mais longas escravidões do planeta, é uma das mais afetadas. Segundo Jesse de Souza: “desde o início da colonização brasileira e até os dias de hoje, a instituição que englobou todas as outras foi a da escravidão. Considerada a semente de toda desigualdade perversa e excludente, a escravidão influenciou, e ainda influencia, toda a forma de família, economia, política e justiça do país” (SOUZA, 2017).

Só o Rio de Janeiro recebeu aproximadamente 2 milhões de escravos segundo informações do banco de dados da Universidade de Emory, em Atlanta, Estados Unidos (slavevoyages.org). A formação histórica, social e econômica da antiga capital brasileira teve uma das maiores fases de negação aos direitos humanos na época da escravidão. A negação do negro, que dura até hoje através da indústria cultural, das novelas, nos altos índices de homicídio, nas desapropriações irregulares, no racismo institucional e na quase ausência de representatividade que também é visível nos livros didáticos das escolas de educação pública e em diversos outros meios.

E será neste contexto que o presente projeto se aplicará. Numa escola periférica da cidade do Rio de Janeiro com alunos em grande parte negros e descendentes de escravos. Utilizaremos as metodologias da Pedagogia do Oprimido e do Teatro do Oprimido para a promoção do debate crítico e processo de descolonização e empoderamento.

Todo mundo é ator”. Essa afirmação do dramaturgo Augusto Boal será um dos pilares do projeto. Para ele “no princípio o teatro era o canto ditirâmbico: o povo livre cantando ao ar livre. O carnaval. A festa. Depois, as classes dominantes se apropriaram do teatro e construíram muros divisórios”.(2013). Para a libertação deste povo oprimido de uma indústria cultural, que nega o direito ao lazer, ao entretenimento e ao pensamento crítico a maioria da sociedade, Boal propõe uma metodologia de reapropriação do teatro para a formação de protagonistas de suas próprias realidades.

Essa metodologia, aprimorada em seu exílio, durante os anos de chumbo no Brasil, é conhecida como a Àrvore do Teatro do Oprimido e têm diversas etapas: Teatro Legislativo, Teatro do Invisível, Teatro Fórum, Teatro Imagem, Teatro Jornal e Arco-Íris do desejo.

O projeto de mestrado se ocupará dos Jogos Teatrais e do Teatro Fórum, podendo ser utilizada as demais metodologias, caso elas se façam necessárias no decorrer do estudo prático. 

“O Teatro Fórum é um tipo de luta ou jogo, e, como tal, tem suas regras”. (BOAL, 2008). Regras essas, segundo Boal, foram descobertas e não inventadas. Para o dramaturgo “(...) são necessárias para que se produza o efeito desejado: o aprendizado dos mecanismos pelos quais uma opressão se produz, a descoberta de táticas e estratégias para evitá-las e o ensaio dessas práticas” (BOAL, 2008). Desta forma, o trabalho com essa metodologia, terá oportunidades de identificação de casos de opressão sofrida pelos alunos e seus amigos e familiares, através de situações do seu cotidiano, representá-las e juntamente com o público, propor intervenções para a mudança. Os spect-atores, como denomina Boal, são espectadores ativos, que são convidados a participarem das cenas.

Já os jogos teatrais servirão como auxiliares para a produção do teatro-fórum. Esses jogos terão como base o livro “Jogos para atores e não atores” de Augusto Boal.

Já através das obras do patrono da educação brasileira, Paulo Freire, objetivamos promover rodas de conversas com alunos e professores sobre colonização e a cultura do silêncio, buscando valorizar o conhecimento e a formação cultural local de cada indivíduo. Desde forma, como elucida o teórico da Pedagogia do Oprimido: “o homem afinal, no mundo e com o mundo. O seu papel de sujeito e não de mero e permanente objeto” (FREIRE, 1983)

 

4 - Bibliografia mínima

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação: Cartas Pedagógicas e Outros Escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000.

 

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 14. Ed., Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1983

 

FREIRE, Paulo A Ação cultural para a liberdade. 5ª ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1981. 

 

SOUZA, Jessé. A Elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro. Leya, 2017.

 

Mbembe, A. (2018). Necropolítica. São Paulo, sp: n-1 edições.

 

Acessado em 29.12.2019: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-08/populacao-brasileira-passa-de-2084-milhoes-de-pessoas-mostra-ibge

 

https://exame.abril.com.br/brasil/ibge-populacao-negra-e-principal-vitima-de-homicidio-no-brasil/


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