Círculo epistemógico como delineamento de pesquisas críticas na área de gênero
Aline Accorssi  1@  , Tamiê Pages Camargo  1, *@  , Julia Rocha Clasen  1, *@  
1 : Universidade Federal de Pelotas = Federal University of Pelotas
* : Auteur correspondant

Toda a pesquisa tem uma pergunta de partida. Sem a dúvida, a interrogação e a curiosidade não é possível o fazer investigativo. Pesquisar é empreender esforços visando compor com diferentes fontes de informação. Nesse processo, que compreendemos como dialógico, os aportes teóricos, os métodos e instrumentos utilizados são escolhas. A opção por um ou outro delineamento de pesquisa ocorre a partir da natureza do objeto, do tipo de pergunta que nos fazemos e da perspectiva epistemológica adotada no estudo. Neste trabalho, portanto, pretendemos discutir uma proposta ainda pouco debatida, mas já nomeada como Círculos Epistemológicos, para a construção de pesquisas dialógicas, críticas e comprometidas com a transformação social. Apresentamos e discutimos aqui as possibilidades de tal método, que toma como inspiração os Círculos de Cultura concebido por Paulo Freire nos processos de alfabetização. Romão et al (2006) apresentaram inicalmente esse delineamento e, a partir disso, seguimos desenvolvendo a proposta com pesquisas, especialmente, na área de gênero. Entendemos os círculos epistemológicos como espaços democráticos e interpretativos. O/a pesquisador/a é provocado/a a romper com representações naturalizadas, de que somente ele/a teria um conhecimento capaz de compreender a realidade analisada. A própria noção de sujeito de pesquisa enquanto objeto é tensionada. Nessa perspectiva todos(as) são pesquisandos(as), que uma vez que pesquisam, também são pesquisados(as), ou seja, os lugares de análise e de enunciação circulam no grupo. Isso se baseia na perspectiva ontológica freiriana, a qual nos lembra que todo ser humano é incompleto, inconcluso e inacabado. Conforme Romão et. al (2006), se o(a) pesquisador trabalha individualmente, suas conclusões, são incompletas pois mostram apenas uma perspectiva, inconclusas pois representam apenas um estágio dentro de um conjunto de conhecimentos socialmente acumulado e inacabadas porque são mais incompletas do que as construídas por sujeitos coletivos. Baseia-se, portanto, na premissa freiriana de que não há um que sabe mais do que outro, há sim, saberes diferentes, produzidos em contextos também diferentes (Guareschi, 2012). Uma vez que os participantes atuam ativamente no processo interpretativo – são, ao mesmo tempo, autores(as) de sua história e da materialização das interpretações, das análises (Romão, 2006). Tal perspectiva retoma os princípios da educação libertadora que, por sua vez, busca romper e superar a contradição educador-educandos, de tal maneira que se façam ambos, simultaneamente, educadores e educandos. Ao quebrar o esquema vertical, a educação problematizadora afirma a dialogicidade como princípio e se faz dialógica, do mesmo modo que o processo de pesquisa. Assume-se, portanto, a intencionalidade dos processos e toma-se a consciência como consciência de. Afinal, se queremos a libertação dos seres humanos não podemos começar por aliená-los ou mantê-los alienados como pesquisas tradicionais o fazem com frequência, em especial entre comunidades periféricas ou minoritárias. “A libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis, que implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo” (Freire, 1987, p. 67). Ou seja, a palavra guarda duas dimensões inseparáveis: a da ação e a da reflexão. Existir é pronunciar o mundo e isso já é modificá-lo. Tomadas por essa postura epistemológica é que temos desenvolvido pesquisas na área de gênero. Aqui anunciamos dois estudos de mestrado em educação realizados em uma cidade ao sul do Brasil. O primeiro busca promover um processo de reflexão sobre gênero utilizando a música como meio de transformação. Nessa pesquisa, a partir de uma prática reflexiva e dialógica, tem-se discutido novas formas para a construção de práticas musicais e de lugares sociais para as mulheres no campo musical, especialmente no campo da percurssão em uma universidade pública. Já o segundo, procura destacar o protagonismo de um grupo de mulheres, jovens secundaristas de escola pública, as quais mobilizaram-se coletivamente nas lutas estudantis contra os ataques ao ensino público no ano de 2016. Através da construção coletiva de memórias da ocupação e da ação de compartilhar histórias de luta, é pensado o processo de consciência política das estudantes que estiveram na linha de frente deste movimento, o qual correspondeu a um movimento com caráter nacional de mobilização. Ambas pesquisas, embasadas na perspectiva metodológica aqui apresentada, produziram conhecimentos que não se encerram nas pesquisadoras, mas é parte de um processo coletivo de desenvolvimento de conscientização, a partir das diferentes concepções de mundo que se encontram e se transformam através da práxis dialógica.

Referências

Freire, P. (1987). Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

Guareschi, P. (2012). Psicologia social crítica: como prática de libertação. Porto Alegre: Edipucrs.

Romão, J. E; et al. (2006). Círculo epistemológico círculo de cultura como metodologia de pesquisa. Revista Educação & Sociedade. N° 13. Universidade Metodista de São Paulo.



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