(IN)TOLERÂNCIA: QUESTÃO DE DEMOCRACIA
Maria Da Glória Di Fanti  1, 2@  
1 : Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul [Porto Alegre]
2 : Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

Paulo Freire é Patrono da Educação Brasileira desde 2012, quando teve o reconhecimento do mérito da sua obra e das contribuições para a educação e alfabetização no Brasil e no mundo. Focalizando as classes exploradas e excluídas, a filosofia freireana propõe uma ação cultural transformadora voltada para uma educação humanizada, emancipadora, justa e igualitária, capaz de despertar a conscientização, a criticidade e a autonomia dos sujeitos. No entanto, com a recente ascensão da extrema direita no Brasil, Freire passou a ser atacado de diferentes formas pelas autoridades políticas ao ser associado à ideologia de esquerda.

Nesse cenário, considerando os ataques a Paulo Freire pelo atual governo brasileiro e o entendimento de que o discurso intolerante é aquele adverso à diferença, que busca desqualificar ou até excluir o outro, visando silenciar a pluralidade e o debate, tem-se como objetivo, neste trabalho, analisar a produção, circulação e efeitos do discurso intolerante contra o educador, observando o embate de vozes que se entrecruzam no discurso e geram diferentes relações dialógicas com a cultura, a educação e o estado democrático de direito. Para tanto, esta pesquisa, de base empírica, analisará três manifestações de intolerância contra Paulo Freire advindas de membros do governo brasileiro em 2019, relacionadas ao título de Patrono, a uma Plataforma com seu nome no Ministério da Educação e a designações depreciativas do filósofo.

No que tange ao referencial teórico, parte-se da perspectiva dialógica da linguagem (Bakhtin, 2010, 2016; Volóchinov, 2017, 2019) e estabelece-se interface com reflexões sobre (in)tolerância e discurso intolerante. O próprio Freire (1997) observa, por um lado, que a tolerância é a virtude que nos ensina a conviver com o diferente. A aprender com o diferente, a respeitar o diferente” (p. 39). “O ato de tolerar implica o clima de estabelecimento de limites, de princípios a serem respeitados”, sendo a convivência com o diferente condição para a democracia. Por outro lado, Freire destaca que regimes autoritários apresentam diferentes preconceitos que, se não forem vencidos, fomentarão a intolerância. Barros (2015, p. 63-64), nessa direção, entende o discurso intolerante como aquele que passa pela etapa do preconceito em que o sujeito se torna malevolente em relação ao diferente e benevolente em relação aos pares, chegando à etapa da intolerância propriamente dita, “fase em que o sujeito preconceituoso passa à ação, ou seja, age contra o outro”.

Espera-se, com esta reflexão, contribuir para uma maior criticidade frente à disseminação de discursos intolerantes que incitam o preconceito e a discriminação e fomentam uma polarização perniciosa, pautada numa “lógica de ódios e afetos” (Schwarcz, 2019, p. 212), o que interfere nas relações sociais e nas avaliações de figuras públicas, como é o caso de Paulo Freire e sua filosofia de resistência, de esperança, de liberdade e de democracia.

 

Referências:

AMOSSY, R. Apologia da polêmica. São Paulo: Contexto, 2017.

BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Org., trad., posfácio e notas de Paulo Bezerra. Notas da edição russa de Serguei Botcharov. RJ: Editora 34, 2016.

BAKHTIN, M. Para uma filosofia do ato responsável. Trad. Valdemir Miotello e Carlos Alberto Faraco. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010.

BARROS, D. P. Intolerância, preconceito e exclusão. In: Lara, G.P.; Limberti, R.P. Discurso e (des)igualdade social. São Paulo: Contexto, 2015.

DROIT, R. P. Tolerância. Trad. Patrícia Reuillard. São Paulo: Contexto, 2017.

FREIRE, P. Professora sim, tia não. Cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Editora Olho d'água, 1997.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967.

SCHWARCZ, L. M. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras 2019.

VOLÓCHINOV, V. A palavra na vida e a palavra na poesia: ensaios, artigos, resenhas e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2019.

VOLÓCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Trad., notas e glossário de Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Aérico; ensaio introdutório de Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017.



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